O professor Antônio
Kubitschek. causou tumulto e muita indignação na rede social essa
semana por conta de uma prova em que usou Walesca como pensadora
contemporânea, ele tentou uma provocação e conseguiu. Vamos lá.
Primeiro de tudo, esse
furor todo tem um nome, preconceito, sabemos bem que o funk sofre uma
enorme desvalorização social por conta da sua origem advinda das
classes inferiores e principalmente por conta do conteúdo erótico
ou violento de suas letras que nada mais faz do que expor um
cotidiano no qual todos nós estamos inseridos, nem que
superficialmente.
Há uma ideia errada de
que o funk incita o sexo e a violência, ideia essa bastante
discordável uma vez que ao analisarmos o contexto social e histórico percebemos
que essas entre outras questões já existiam antes do funk ganhar visibilidade, a violência nas favelas já era um assunto noticiado desde sempre na mídia que muitas vezes colocavam essas
pessoas como culpadas da violência e não como um produto da desigualdade
social do pais, algumas musicas de funk um pouco mais antigas,
retratam muito bem em suas letras essa realidade, a injustiça, a falta de segurança, a violência e por ai vai. Outra ideia que se
formos pensar a fundo também se finda ao estudarmos o contexto é a de que os adolescentes que escutam funk começam
uma vida sexual mais cedo, ora gente, vamos com calma, a questão do
jovem transar cedo não está ligada a ele ouvir funk ou não, pois
sabemos que jovens que escutam rock, sertanejo, gospel, pagode também
fazem sexo, a questão da pratica sexual está ligada a outras questões sociais,
a necessidade do adolescente querer ser adulto, a curiosidade e principalmente o fato de não conseguir ser aceito socialmente uma vez que
nossa sociedade tem um estigma em relação a figura do adolescente, entre outras questões que não são atribuídas ao funk, nenhum
jovem quando questionado do porque ter transado cedo vai dizer “foi
porque eu ouvi funk”. Essa justificativa de
dizer que o funk incita ao sexo e a violência cai no mesmo discurso
de que o videogame deixa as pessoas mais violentas e não se sustenta
principalmente porque vários estudos feitos nessa área não
conseguem achar uma correlação direta, sempre são outras
questões sociais e psicologicas envolvidas, se for assim, todo mundo
que ouve sertanejo é corno, todo roqueiro tem pacto com o diabo e
por ai vai.
O que incomoda a
sociedade alem da questão histórica em relação ao funk é o seu
conteúdo imoral uma vez que ainda somos uma sociedade fundamentada
nos parâmetros morais religiosos, o imoral não deve ser falado,
sabemos que existe, mas não podemos e nem devemos falar sobre e ele
fica lá, na nossa caixinha inconsciente, mas vem à tona quando nos
deparamos com questões como essa que perpassam nossa existência e
que não estamos acostumados a falar e tao pouco a compreender e então fazemos discursos de ódio porque nos mesmos nos cristalizamos tanto em nossa moralidade que perdemos a capacidade de compreender. Não estou dizendo aqui
que todos temos que gostar do funk, as pessoas podem sim não gostar,
eu não gosto, não é um estilo de musica que faz parte da minha
playlist do celular ou do meu computador, mas não porque ela é imoral ou incita a
violência, mas simplesmente porque não tem uma sonoridade que me
agrada, assim como também não me agrada a sonoridade do sertanejo,
isso é uma questão de gosto, mas dizer que é porque ela incita ao
sexo e a violência não é e nem sera uma justificativa plausível
uma vez já constatado que isso não passa de mero preconceito
nosso em lidar com determinadas questões pois cientificamente essa
justificativa já caducou.
Ainda refletindo no sentido social,
o funk como outros estilos musicais vem de uma cultura, cultura essa
como já falei, baixa, do pobre humilhado e esculachado na favela
como diz uma letra de um funk que retrata uma vivencia, um contexto
daquele grupo e que hoje não vem pertencendo mais aquele grupo apenas, o de classe pobre,
pessoas de classe media também vem compartilhando e (eu acho muito
importante olharmos pra esse movimento) desse mesmo gosto, o funk
ostentação como vem sendo chamado atualmente está nos celulares da
classe media e da classe pobre, os discursos dessas classes inclusive
são semelhantes e ainda não conseguimos perceber isso, o quanto
esse estilo está aproximando as duas classes mesmo que elas não
queiram. Estamos em uma sociedade de transição, os valores estão
sendo questionados seja no âmbito cientifico, seja no senso comum,
viemos de uma sociedade velada, ainda estamos nela tentando romper
com os rompantes deixados pela nossa historia onde ate hoje não se é
permitido falar sobre sexo, traição entre outros abertamente, todos
esses assuntos são ainda velados e o funk veio com uma linguagem
própria romper com isso, propagandeamos por ai, "ahh, funk não
é musica" o que é musica? O nosso Roberto Carlos? O nosso
Jorge e Mateus? Quando colocamos nossos gostos musicais como melhor
fazemos o etnocentrismo e isso acaba que nos impede de compreender as
demais culturas como elas são, essa foi uma questão que levantei
quando vi esse assunto rodar na internet
. Atualmente as letras
do funk, eu não ouço todas, mas já ouvi algumas que rodam pelas
ruas, tem o objetivo de fazer reflexões sobre o nosso momento
atual, quem leu isso agora pode ter dado um pulo da cadeira com seu
preconceito dizendo “como assim reflexão? Desde quando funk faz
reflexão?” Sim, o funk também é capaz de fazer reflexões e
reflexões boas sobre os relacionamentos, sobre os direitos das
mulheres, sobre sexo e principalmente ao acesso aos mesmos lugares em
que pessoas de classe media frequentam, vide o fenômeno dos
rolezinhos tao discriminado a um tempo atras, esse é o funk atual, o ostentado, ele vem discutindo em suas letras esses gostos
compartilhados, são classes diferentes em hierarquia financeira mas
que leem os mesmos livros, escutam as mesmas musicas, utilizam os mesmos
tipos de roupas, sapatos, celulares e se esbarram nos mesmos lugares fazendo uso de uma linguagem própria, .de uma vivencia daquele grupo, quem
consegue ouvir o funk em sua essência consegue perceber o sentido de
sua letra e a mensagem que quer passar.
Mas a questão principal
que me remeteu a escrever sobre isso alem da questão obvia do
preconceito, foi o quanto que nosso ensino está de fato defasado,
somos incapazes de compreender as figuras de linguagem, o professor
colocou “pensadora” em um sentido irônico, em relação aos
questionamentos que faz na musica e que o professor colocou
"pensadora" na prova no sentido de produzir um desconforto
e talvez ate risos de alguns alunos que não curtem o estilo musical,
mas como não temos aparatos educacionais onde ate interpretar um
texto que foge ao “O pé de Pedro é preto, que cor é o pé de Pedro?” não conseguimos responder ou deturpamos a resposta o que
dirá entender uma ironia ou uma piada em um texto? Tudo isso teve um
contexto, esse professor já vinha trabalhando varias questões com
essa turma, como professor de ensino médio utilizou dessa letra tao
contemporânea para fazer filosofia, construir saberes, dialogar as
vezes com a realidade desses alunos, provocá-los, fazê-los pensar e
nós, enquanto sociedade preconceituosa e ainda achando que os
parâmetros educacionais devem seguir o mesmo esquema já saímos
propagando que a educação esta uma merda uma vez que agora as
provas são feitas a baseadas nas letras de funk, mas eu me pergunto,
e se fosse um Roberto Carlos com aquela musica “Esse cara sou eu”
quem tem o objetivo de passar o que toda mulher quer ouvir mas que
tem como pano de fundo um cara carente e problemático que vive atras
da mulher? Ou o Justin Bieber, Jorge e Mateus entre outras musicas
que tem como objetivo romancear o que na verdade não passa de
frustrações amorosas e dor de cotovelo, essas passariam
despercebidas pois são canções aceitas socialmente, dignas de se
trabalhar na educação, alias, dignas? Por que? Por que uma letra de
funk em uma prova reflete uma educação de bosta como vi vários
professores comentando? Acho que já é um ponto para começarmos a
pensar.
Cansei de ver postagens
do tipo “Essa é a educação do nosso brasil”, “olha a que
nível chegamos” compartilhadas por professores, alguns, formados a
nível de graduação e isso abre pra mim um outro olhar relacionado
a educação superior, como estão sendo formados esses
profissionais, a academia é um espaço de compartilhar pensamentos,
abrir mão de conceitos para conhecer outros, ou se não quiser abrir
mão, pelo menos se propor a ouvir, a pensar e não manter as mesmas
posturas e pensamentos de quando entrou, a cristalização do
conhecimento não move a educação, educação sempre sera diálogo
e mudança.
Somos tao etnocêntricos
que não conseguimos olhar para educação de uma forma mais
libertaria, ainda queremos fazer da educação uma extensão do nosso
lar, da nossa igreja, dos nossos pensamentos e esquecemos de
trabalhar com as pluralidades, ditamos regras morais baseadas em
nossos valores de como ela deve funcionar, o professor era da área
de filosofia e em filosofia assim como em qualquer outra disciplina
não podemos ter amarras, não podemos enviesar um olhar e colocar
nosso empirismo como melhor, assim não se faz educação. Claro que
uma hora a educação encontraria esse impasse, pois, nossa educação
esta tao ruim que não entendemos a ironia de uma prova, a principio,
já fomos logo criticando, cuspindo nossos valores morais e
educacionais sem entender um contexto ao qual essa prova se inseriu,
as pessoas se sentiram humilhadas, tomaram as dores dos filósofos
ditos como importantes por chamar a Valesca de pensadora pois
atrelamos o conhecimento de pensador aos filósofos antigos, pensador
é quem cria um conceito e pensa sobre ele, beijinho no ombro é um
conceito, um conceito contemporâneo criado pela Valesca, veja o quão
irônico isso foi e o quanto não fomos capazes de compreender, vamos
chegar a um ponto em que sera necessário escrever, ironia, piada,
após a frase para que haja um entendimento real pois é notável que
o pensamento elaborado, a capacidade de pensar uma questão fora do
nosso próprio umbigo, fora das nossas crenças, fora dos nossos
parâmetros e aceitar que existe sim um mundo maior que o nosso não existe em nossa educação, se não
sairmos dessa posição de meros moralistas educacionais a educação
só vai definhar, educação precisa de liberdade e não de amarras.